Monte Kilimanjaro

O primeiro dos 7 Cumes de Ayesha Zangaro.

Confira aqui o Diário de Viagens dessa expedição inesquecível realizada em Março de 2011.

 

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O Monte Kilimanjaro é a maior montanha da África e o pico isolado mais alto do mundo. Situado na Tanzânia, um país com algumas das maiores belezas naturais deste planeta e com5.895m de altitude, o Kilimanjaro é um dos mais altos vulcões do mundo. Ele está a mais de 4.500m verticais acima das planícies das savanas, e possui aproximadamente 80 quilômetros de diâmetro na base. Suas três grandes crateras, Shira, 4.140m no oeste, Mawenzi, 5.280m no leste e Kibo, a mais alta, com 5.895m são cobertas pelas neves eternas das grandes altitudes.

 

 

DIÁRIO DE VIAGEM

Escrito em 15 de Março de 2011.

 

JAMBO!

 

Depois de sair de Moshi, estava bem animada para começar tudo logo. Não sabia o que esperar na verdade, mas sabia que ia ser bom… Pegamos uma van que nos levou em mais ou menos 2h até um hotel em uma das entradas do Parque Nacional do Kilimanjaro, o Snow Capp Cottages. Já chegamos lá empanados por causa do calor e da poeira! Durante o caminho até presenciamos uma briguinha no trânsito em swahili, a língua local. Mas mesmo brigando esse povo consegue falar devagar. Uma calma! Me lembrou a Bahia, rs.

Ouvi falar que a comida da Tanzânia é muito parecida com a do Brasil, então aproveitei né, enchi meu prato! Infelizmente não era bem como eu esperava, o tempero tinha alguma coisa muito exótica e não me caiu tão bem. Mas tudo bem, lugar novo, comida diferente, mais normal que isso impossível. Durante a ida para o Snow Capp e durante o almoço tivemos a chance de conhecer melhor o pessoal. Por pessoal que se entenda o Meme, porque a Manuela já conhecia desde o trekking no Nepal.

Com um tempo lindo lá fora fomos para um lugar de onde podíamos ver um grande platô da savana africana, que tinha como limite a fronteira com o Quênia. Andrea com seu livro, Manu escrevendo em seu caderninho como sempre e eu e o Meme nos alternamos dando aulas; ele de malabares e eu de ginástica olímpica. Foi uma tarde bem agradável que terminou em uma conversa “inglesa” tomando o chá das cinco, haha.

De noite conhecemos os guias locais que nos acompanhariam por todo o caminho, Iddi, Izza e Makesh. O Iddi por ser o chefe do staff era o mais animado e parecia bem contente em começar mais uma expedição. Fomos logo dormir para estarmos bem para começar a andar. Apesar do meu cansaço demorei para pegar no sono, tanto por causa da ansiedade, quanto por causa de um problema de bagagem da minha didi.O café da manhã bem colorido com muitas frutas e tudo foi nosso combustível para a manhã. Depois de assinarmos a entrada oficial no Parque e de uma despedida um pouco chorosa da Andrea (que ia ficar até mais tarde para tentar resolver o problema da sua mala) começamos a caminhada por uma linda floresta de pinheiros. Não é uma floresta natural e na verdade é um início de rota adaptado, pois a rota que usamos foi a Rongai, porém graças a disputas territoriais com o país vizinho o começo dessa rota começa na Nalemoru Route.

Nalemuru Route

Passamos por plantações de milho e de batata e todos que passavam nos cumprimentavam com seu simpático “JAMBO”. Pouco antes de entrarmos na floresta original da região encontramos algumas crianças muito fofas (e bem sujinhas) correndo ali. Já o primeiro habitante original dessa nova vegetação foi o tão famoso macaco Colobus, que nos deu o prazer de sua presença logo depois, rs. Paramos para almoçar com um luxo não esperado. Foi como um piquenique com muito boa comida!

Todo o caminho fomos ouvindo “pole pole”, uma expressão que é para andar devagar, calma. No fim do dia não aguentava mais ouvir isso, principalmente por causa de uma inesperada chuva perto do acampamento. Maior aguaceiro caindo e tínhamos que ir devagar pô! Chegamos molhados, mas pelo menos chegamos. Com as barraquinhas montadas só tive que entrar e trocar de roupa no Sekimba Camp, à 2.800m. Caiu mais uma chuvinha mais tarde e depois saímos para ver o por do sol em um lugar um pouco mais para cima.

Jantamos e tudo ainda com a expectativa de que a Andrea ia chegar mais tarde, mas no fim recebemos uma cartinha explicando o que tinha acontecido e que ela ia nos alcançar no outro dia de manhã :( Já sem sol, não demoramos mais muito para ir deitar (apesar que dormir mesmo foi outra história).

Acabei acordando até antes da hora por causa do desconforto dentro da barraca. Mais para frente notei que a pior coisa para mim era ir dormir; queria ficar o máximo de tempo acordada. Tomamos café na barraca refeitório, que estava enfeitada com as comidas muito bem feitas do nosso chef Benson.Duffles fechados, mochilas arrumadas, últimos preparativos para sair. Menos de 5 minutos antes de começarmos a caminhada a Andrea nos alcançou (fez o que fizemos no outro dia em 4h, em uma hora e meia!). O primeiro tempo do dia foi todo ocupado com as discussões sobre o que tinha acontecido, o que devia ser feito, etc, etc. A mala dela além de ter atrasado alguns dias para chegar, quando chegou a abriram e roubaram todo o equipamento de montanha! Acabamos emprestando material para ela, cada um deu alguma coisa e com seus óculos Gucci recém-comprados ela chegou até nós, rs. Paramos algumas vezes para beber água e tudo e meio dia paramos em um acampamento logo depois da First Cave para almoçar. Fomos cantando até a Kikelewa Cave, à 3600m de altitude. Quase chegando lá o tempo começou a fechar e colocamos nossas capas de chuvas.

A pressa de chegar me rendeu um hematoma no joelho e uma escorregada em uma poça haha. Minha primeira queda na África o/ De tarde com calma na barraca consegui conversar com a minha didi sobre meus projetos e sobre tudo, ela é tão linda! Essa noite consegui dormir melhor, apesar do frio, não dormi sozinha…

É tão bom passar esse tempo na montanha com pessoas queridas :)

Acordar no outro dia foi tão fácil quanto antes, sair da barraca era uma felicidade muito grande haha. Tomamos café ao ar livre e experimentei pela primeira vez os famosos (na Guatemala) Frijoles Negros Volteados. Nunca tinha comido feijão de manhã, mas é muito bom! E ainda mais com a minha crescente falta de apetite, tinha um pequeno buraco de fome aparecendo rs.

Saímos rumo ao acampamento Mawenzi, à 4300m! Desde que saí conseguia ver essa formação de pedra, que sempre aparece ilustrado ao lado do Kili. É uma montanha técnica de 5149m que achei bem bonita. Embaixo dela ficava nosso acampamento com um lago beeeeeem verde na frente.

No caminho tivemos uma vista bem legal do ponto mais alto da África e paramos algumas vezes para tirar fotos. Pouco antes de chegar um amontoado de nuvens começou a aparecer e o tempo começou a fechar. Mesmo assim ainda tínhamos uma subidinha um pouco inclinada e quase uma hora de caminhada até o acampamento. Chegando lá fizemos o heading do dia (tipo uma filmagem explicando o que fizemos ou íamos fazer, que tinha todo dia) e fomos para as carpitas…

A má notícia que teríamos uma caminhada de aclimatação mais tarde chegou rapidinho. Ainda por cima depois do almoço, em uma nova altitude, um sono doido começou a aparecer em todos. Vamos, vamos! Beber água, comer, conversar, tudo para não dormir! Passada a chuvinha que veio para enlamear tudo saímos para aclimatar. No fim nem andamos tanto, mas meu joelho começou a doer de uma forma assustadora toda vez que eu levantava a perna. O pior era que não era da batida do dia anterior, era alguma coisa muscular, o que me preocupou mais ainda… Mas bom, caraminholas a parte, chegamos até 4500m. Lá em cima fizemos outro vídeo de cada um, como estavamos nos sentindo.

Minha frase extremamente desmiolada com falta de neurônios foi “Me sinto high!” HAHAHA

Uma brincadeira que ficou durante toda a viagem foi com o Meme, porque ele gosta muito de comer (aliás, entre os três guatemaltecos a disputa era dura, rs). Toda vez que íamos comer: “Remem, remem!” (piada interna, do not try to get it, haha). Voltamos lá de cima e já fomos tomar chá (remando de novo). Um frio do inferno e ficamos na barraca refeitório mesmo, a Manu e o Meme foram para a sua barraquinha e o resto de nós ficou conversando por ali. De filosofias a histórias de vida, demos muitas risadas juntos. Mas tenho que ressaltar que nunca conheci uma história de vida tão intensa, tão cheia de acontecimentos (em relativo pouco tempo) como a da Andrea, tenho muito orgulho de dizer que aprendo com ela (: Vale visitar seu site para conhecê-la melhor:

http://www.andreacardona.com/

Já emendamos na mesa até a hora do jantar e logo chegou o nosso waiter, o Mustafa! Todo animado colocou nossos pratos na mesa e logo trouxe a comida. Remamos bastante de novo e alguém teve a brilhante idéia de colocar água quente nas garrafas para esquentar os nossos desqualificados sleeping bags. Demorou um pouco ainda para os meninos ferverem tudo, mas a espera foi bem animada, com dança e músicas. Dormi muito melhor essa noite e só senti meus pés formigando de frio já perto da hora de levantar.

Dia destinado para aclimatação, saímos por volta das 8h30’ e começamos a subir pela encosta cheia de pedras do Mawenzi. Um dos problemas a partir daí foi a água, que com certeza era tirada daquele laguinho um tanto quanto nojento. Meus dois litros que tinha que tomar diariamente se reduziram a meio litro, tomado com muito esforço.
Logo no começo o grupo se dividiu: minha mãe ficou com a Andrea e o Iddi, praticando o rest pace, que dá um descanso para o músculo apoiando quase todo o peso no osso da perna. Com uma velocidade um pouco maior o resto de nós foi com o Issa e o Makesh. Chegamos até um lugar com vista para um vale e depois paramos para tirar foto em frente a umas estalactites de gelo. A subida não foi fácil porque tinham muitas pedrinhas que faziam escorregar e era suficientemente íngreme. Paramos em mais ou menos 4800m onde ficamos quase uma hora aclimatando. Bebendo água (blergh!), comendo, conversando, etc. A descida foi rapidinha, e fui deslizando pelos pedaços de terra solta até o acampamento.

Almoçamos e depois cada um foi para seus aposentos, haha. Nessa tarde nossa querida guia nos deu uma dispensa para descansar (leia-se: dormir). Passado um curta crise filosófica autista dentro da minha barraca, eu e a Andrea fomos para a barraca da Manu e do Meme,onde tivemos até uma massagem coletiva, para esquentar. Intimidades de montanha…

Ficamos mais de uma hora lá dentro, entre músicas, risadas, broma e tudo, foi uma tarde muito divertida.

Saiamos de novo a remar. Hora do chá! Chá, café, pipoca (poporopos), bolachinhas, chocolate, leite, etc, etc. Barriga cheia até onde deu fomos para as barracas esperar a hora do jantar (me lembro da minha rotina de férias, comer, dormir, comer, dormir). Sleepings estendidos, fiquei conversando com a minha didi até ter que sair de novo. É sempre tão bom conversar com ela. Você sente a vibração dela de estar na montanha, de estar fazendo o que realmente gosta, mesmo que esse não seja o assunto em pauta. anta, água quente, dormi bem de novo graças ao calorzinho. Ah! Preciso falar que o céu visto daquela altitude é maravilhoso! Igualzinho ao do Brasil, em questão de constelações e tudo, mas acho que o céu mais lindo que já vi.

Dia antes do dia de sair para o cume (MEDO!). Andamos meia hora até um outro lugar com vista para o Kili. Ficamos um bom tempo lá, até para a Andrea tirar foto com as roupas e bandeiras dos patrocinadores. Nos quedamos como meia hora por ali e tivemos que dar uma carreirinha para alcançar os outros. Numa próxima parada tiramos fotos do grupo todo, inclusive com os três guias e tal e teve uma apresentação de dança de cada dupla! Muito bom! Muito engraçado, haha. Carnaval, puro guatemalteco, sapateado, algo que não sei o que era e dança típica dos meninos.
Na nossa frente o que nos esperava era uma planície enorme! O nosso ponto de referencia de onde passaríamos a noite era longe pra caramba! Muito sol, paramos de hora em hora para beber água e descansar. Foi uma manhã bem cansativa e minhas forças estavam se esvaindo quando chegamos ao tão esperado School Hut, à 4700m. Com o tal de pole pole mais que passado na minha cabeça, a opção do Meme era muito mais divertida, andando com um ritmo assim: passito tum-tum, passito tum-tum. Com essa musiquinha chegamos firmes até o nosso campo base!

Só cheguei lá e minhas forças voltaram de novo. Apesar de o banheiro ser um pouco difícil (um buraco muito menor do que o comum e com um vento que soprava de baixo para cima), o chão do dormitório era de madeira e ouvir o som das botas batendo ali me deu uma boa sensação…

Desde o começo do dia a altitude começou a incomodar minha mãe. Não sei se por causa de falta de oxigênio ou o que, mas mesmo assim, ela continuou, forte como sempre, se não fisicamente, mentalmente, o que a fez chegar até onde foi. Almoçamos só uma sopa, porque o chá ia ser cedo e sairíamos perto de meia noite para o ataque ao cume. Tínhamos de novo a tarde de descanso. O School Hut não é um acampamento e sim uma cabaninha com um beliche grande, onde cabem dez ou doze pessoas. Por isso era bem mais quentinho. Meu pai e o Meme passaram um tempão entretidos com uma head lamp que não funcionava (acabaram arrumando) e nós ficamos assistindo. Até a hora do chá ficamos todos juntos ali, mais um momento legal, daqueles que ficam repercutindo na cabeça por um longo tempo. Senti de novo aquele sentimento único de montanha, uma união muito forte entre aquele grupo…

Hora de dormir! As 6h da tarde todos abrindo seus sleepings, trocando de roupa, colocando segunda pele e todas as outras roupas que tínhamos para enfrentar o frio da madrugada… Já me deu a maior reviravolta na barriga só de ver o pessoal todo se arrumando e animado para sair! (depois acabei descobrindo outro motivo para minha barriga estar dando cambalhotas, mas deixemos a escatologia de lado).

Demorei a cair no sono, em parte por causa da altitude, outra parte por conta da ansiedade… Afinal em pouquíssimas horas estaria saindo para o meu PRIMEIRO cume! Mas o cansaço dominou e apaguei totalmente! Meus pais sairiam uma hora antes, para termos mais chance de estar na mesma hora no cume. Desliguei tão completamente do mundo de noite que não cheguei nem a ouvir eles saindo. Escutei o Mustafa entrando com a sopa para eles e depois uns gritos lá fora.
Acordei uma hora depois, acho que eram 23h30’. Não estava com o menor estomago para tomar sopa, e tomei só duas tigelas com chá. O nervosismo estava chegando perto e o medo de andar de noite não estava ajudando. Lá fora só dava para ver algumas luzinhas bem ao longe e as sombras se mexendo… Cada segundo eu me convencia mais que aquilo era loucura. Mas quer saber, qual é a graça de não se arriscar? Acho que na montanha mais do que em qualquer outro lugar, seus sentimentos afloram muito mais fácil e tudo é muito mais emocionante. Vale muito mais a pena. Mas vou deixar essas reflexões e o que tirei dos meus monólogos noturnos para depois.

Mais um heading antes de sair, e tudo o que conseguia pensar era; estou com medo… Entramos em uma fila indiana e começamos a caminhar: Issa, Meme, eu, Manu e Andrea. O passo não estava rápido, mas senti que nessa velocidade não ia agüentar andar mais 7 horas. Logo comecei a ver a luz da head-lamp do meu pai, que deveria estar bem mais a frente.

Diminuímos o passo, mas mesmo assim em menos de meia hora de caminhada alcançamos o grupo que tinha saído uma hora antes. A Andrea logo tomou a frente do nosso grupo, impondo um passo mais lento e ritmado, de modo que a distância entre os dois grupos não aumentasse muito. Mas ainda faltavam mais de 1000m de desnível. Parávamos de hora em hora, para comer algum doce e descansar. Na primeira parada meus nervos já estavam em frangalhos, e minha visão embaçou. Queria chorar, mas não conseguia, queria falar, mas não achava minha voz, queria estar mais forte, ou pelo menos parecer mais forte, mas nem isso eu encontrava dentro de mim. O que me ajudou ali foram as estrelas, aquele céu maravilhoso que se estendia como um tapete sobre nós, as estrelas se mostravam com tanta intensidade… e tentei me encher daquele brilho que elas mostravam, que para mim representava o número de pessoas que correm atrás de seus sonhos ou que acreditam em algo e só o que falta é acharem o caminho para encontrar o que procuram. Eu estava no meu caminho, não precisava me preocupar.

O frio aumentava cada vez mais e a única imagem que vinha na minha cabeça era o cume, aquela plaquinha que indicava o tal Uhuru Peak. Mas não o cume realmente como ele é, e sim um lugar quente, agradável e protegido do vento, onde eu só me preocuparia com aproveitar o premio que a montanha estava me dando. Depois de um certo tempo comecei a me preocupar com as minhas mãos, sentia os hand warmers fazendo o seu trabalhos nas palmas, mas meus dedos estavam duros, e era a primeira vez que sentia dor de frio. Continuei por duas horas sem falar nada, mexendo os dedos dentro da luva e mexendo meus pés dentro das botas, apesar de eles estarem bem. Na terceira ou quarta parada, não me lembro com clareza, precisei falar que estava com muito frio nas mãos. Minha didi mandou colocar os dedos no meio da luva para esquentar, mas estava doendo muito! Fiquei com medo de novo, mas o que me consolava era que sabia que enquanto podia sentir alguma coisa nos dedos, que fosse dor, estava tudo bem. Pegamos o chá que levaram e cada um tomou um pouco. Andrea pegou uma mitten corta vento e fez massagem em minhas mãos para estimular a circulação.Depois dessa parada as luzes que víamos lá em cima começaram a chegar perto, e vimos mais ou menos cinco pessoas passarem por nós, descendo. Dois deles eram ingleses que pareciam bem assustados.

Quando perguntaram o que tinha acontecido, a menina respondeu que o guia estava os fazendo escalar em pedra, e que estava ficando perigoso. Depois ficamos sabendo que era um guia queniano, que não conhecia o caminho para subir e tinha experiência zero no Kilimanjaro. Da expedição inglesa deles só chegou uma menina, chamada Laura, que acabou subindo com a gente.

Horas mais frias da madrugada here we come! Depois das quatro da manhã olhava de minuto em minuto para trás para ver se o sol estava nascendo. Minha tosse que me acompanhou desde o Brasil até o fim da viagem começou a me incomodar mais. O ritmo continuava o mesmo, mas fazia tempo que eu estava andando no automático, sem prestar muita atenção em nada. Sentia minhas pernas cansadas e uma dor no fundo da cabeça, como se o ar estivesse congelando tudo por dentro. Aliás, esse foi um dos meus problemas depois, como tinha emprestado meu gorro para a minha mãe, tive que usar meu buff como gorro e fiquei sem nada para cobrir a boca. Claro que podia ter pedido emprestado, mas nem me passou pela cabeça que era tão importante.

A trilha passou a ficar mais acidentada, com muitas pedras e alguns degraus chatos de subir… Ali fiquei preocupada com a minha mãe, porque sabia que era difícil para ela aquele tipo de subida. Mas ela estava em boas mãos, e sabia que fosse o que fosse, o motorzinho dela era o mais resistente do grupo, devagar e sempre. Eu tentava já não levantar muito os pés para não fazer força e desisti do rest pace, adotado pelo resto do grupo, logo no começo, porque me dava muito frio.

Perdi os primeiros da fila de vista, mas ouvia as vozes e pareciam comemorando alguma coisa. Fiquei feliz em ouvir esses tipos de exclamação, mas sabia que não tinha acabado ainda. Chegamos ao Gilman’s Point, 5685m perto do amanhecer. Ali é o ponto onde muitos desistem por causa do frio e do cansaço. De um lado conseguimos ver o sol nascendo e do outro a cratera do vulcão começava a ser iluminada. Tinham mais três ingleses ali quando chegamos, da equipe do guia queniano. Um dos caras estava sentado e parecia estar morrendo de frio e a menina estava apavorada falando com a gente. No fim ela continuou com a gente e os outros dois desceram com o guia deles.

Recomeçamos a andar o mais rápido possível para não ficarmos muito tempo parados. O sol devagarzinho dava o ar da sua graça, mas ainda tínhamos quase uma hora até o verdadeiro cume. A surpresa do ano para todos foi a neve que tinha lá em cima. Nos últimos anos as neves eternas do Kilimanjaro vinham derretendo e havia tempo que a cratera não ficava branca. Isso fez com que tudo lá em cima ficasse lindo! Muito mais bonito do que vi ultimamente em fotos. Mas por outro lado tivemos que passar em algumas partes cobertas de gelo. Eram partes pequenininhas, mas mesmo assim eu nunca tinha andado nessas condições e fiquei meio nervosa, o que não ajudou minhas pernas, que já estavam bambas de cansaço.

Paramos em um lugar sem vento para tirar algumas fotos e continuamos a andar.Pensei que era mais perto, mas estava demorando tanto para chegar. Tudo bem, tudo bem, liguei o automático mais uma vez. Quando olhei para cima de novo faltavam mais ou menos 200m para a tão esperada plaquinha, rs. Meu cérebro se apressou em pensar com alguma racionalidade e me veio de novo aquele pensamento de o que eu estou fazendo aqui. Vim atrás dessa placa, num frio do inferno, depois de ter passado uma noite horrivelmente cansativa, o que estou fazendo aqui?

Mas quer saber, valeu a pena. Vale a pena saber que sonhar é mais do que meio caminho andado para conseguir o se quer. Vale a pena conhecer os limites do corpo humano. Vale a pena acreditar em si mesmo. Vale a pena se arriscar para correr atrás dos seus sonhos, do que aprendi com uma pessoa maravilhosa, vale a pena ir atrás do seu Everest.

Às 7h30’ do dia 9 de Março de 2011 eu cheguei ao topo da África, ao Uhuru Peak, o Pico da Liberdade. Me tornei a brasileira mais jovem a atingir tal feito, e talvez uma das latino americanas mais novas também. Mas foi o que tanto falamos durante a expedição; o cume foi mais um presente, um prêmio extra para tudo o que ganhamos passando este tempo na montanha. Cada cume tem uma mensagem a passar, diferente para cada pessoa, quer ela chegue ao topo ou não. O esforço feito para chegar ali, a força demonstrada para buscar o que se quer é o que realmente chamo de obstáculos superados.

A maior satisfação para mim foi saber que tecnicamente falando cheguei aonde tinha que chegar.Aonde as pessoas esperavam que eu chegasse, e, aonde eu queria chegar. Mas esse lugar não se chama Uhuru Peak e no fim não está à 5895m no ponto mais alto da África. Acho que a convivência com as pessoas que me acompanharam até lá em cima, os tantos monólogos que tive comigo mesma, os momentos de observação e absorção de paisagens, culturas e informações causou uma reviravolta dentro de mim, e por mais brega que seja isso, dentro do meu coração. Com isso mudei o jeito de ver as coisas, de encarar a vida, de buscar novas aventuras e o mais importante, de se relacionar com as pessoas.

Cheguei à minha liberdade lá em cima, cheguei aonde muitos ainda vão chegar. Posso dizer que me encontrei nessa viagem, sei o que quero, apesar de ainda não saber como dividir isso com os outros ainda. Espero aprender a fazer isso com o passar do tempo, com novas experiências.

Chegamos lá em cima, todos muito felizes e satisfeitos, cada um carregando as suas pessoas queridas, os seus recados para o mundo, os seus pensamentos e as suas realidades. Não tivemos muito tempo lá em cima, só o suficiente para comemorarmos juntos e tirarmos fotos. Tudo lá em cima passou muito rápido e logo começamos a descer. Encontrei meu pai subindo, visivelmente esgotado e emocionado, fiquei feliz por ele estar ali. A descida foi a pior parte para mim, apesar de haverem contradições sobre isso. Foi onde consegui ver o quanto subimos e pô, foi muito! Acho que até por isso saímos de noite, para não vermos o que temos que encarar. E também com a quantidade de pedras soltas o que menos precisava ali era outra queda. Não estava confiando mais nas minhas pernas e fui bem devagar. Chegar lá embaixo foi um alívio, minha didi me acompanhou na última parte e quando chegamos lá fomos parabenizadas pelo nosso staff, que nos aguardavam. Fui ver minha mãe e fiquei feliz também em ver que ela estava bem, ainda que um pouco abalada. Comemos alguma coisa e ainda tínhamos 6h de caminhada ate onde dormiríamos.Daí pra frente é história. Foram horas agradáveis, caminhando sem pressa, recebendo mais oxigênio a cada metro que descíamos. O ar deixou de ser tão rarefeito e tudo voltou a ser mais fácil. Nesses dois dias os machucados de guerra começaram a aparecer mais claramente (inclusive um inchaço horroroso na minha boca, que queimou de frio). Preciso comentar também, que esses machucados me afetaram muito mais do que deveria. Acho que também por causa da minha realidade, onde aparência importa bastante, rs. Essa é realmente uma coisa com a qual preciso aprender a lidar. A última noite na montanha foi muito boa, tive um tempo muito bom com a Andrea, conversamos, rimos e tudo e todos dormimos muito bem.

O último dia de trekking foi para sair do parque e passou até que bem rápido. Chegar a Moshi e tomar um banho depois de tanto tempo foi um alívio. De noite tivemos a entrega dos certificados e uma conversa bem intensa sobre tudo. A Manuela, que fala muito bem, fez um resumo lindo de toda a viagem e falou um pouco de cada um. Senti ali os laços criados se solidificando. Até chorei com algumas palavras faladas. Passei minha última noite com a Andrea, conversamos até duas da manhã apesar do cansaço, ouvimos musica, dançamos e enfim dormimos, em uma cama finalmente, depois de sete dias em cima de pedras na barraca. Tive que acordar cedo por causa do vôo do outro dia e todos acordaram comigo para se despedir. São tão lindos os três, foi muito bom passar esse tempo com eles e conhecê-los melhor. Fiquei ainda mais inchada na hora de dar tchau e fiquei meio chateada em dar tchau para a Andrea, a minha didi, mais uma vez.

Mas tudo bem foi outra viagem inesquecível, outro país lindo, outra experiência intensa!

Agora só tenho a dizer: obrigada a todos os envolvidos e até a próxima!